quinta-feira, 26 de maio de 2011

Se é pra falar de caminho...

O POETA INÚTIL

Era uma vez um poeta
Que nunca tinha escrito um  verso.
Um poeta inútil!

E como ser inútil era feio,
e ser feio era esquisito,
e ser os três inaceitável,
o poeta abandonou a pena,
inútil,
e abraçou a espada,
porque pra um homem com uma espada
sempre há utilidade.

E só pra ser útil,
brandiu a espada,
sem se importar com o sangue
que ia ficando para trás,
porque guerreiros não ligam pra manchas de sangue.
Até que sua visão escureceu
só então se deu conta
que o sangue no chão era seu,
o ferido da batalha era ele.

Na longa jornada de volta,
ferido e cansado,
com a ponta da espada
pesada e inútil,
entalhou numa árvore
o único poema que viria a escrever:
“Mais vale a pena que não usei,
que a espada que empunhei.
No fundo, inútil tudo é,
menos o que prescinde de utilidade,
como a poesia que carrego em mim”.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pra começar do Início

Talvez a grande dificuldade de escrever sobre o que pensamos e sobre nós mesmos resida no reconhecimento que damos a gente que escreveu tão bem sobre o que vivemos e sentimos que parece praticamente impossível que consigamos escrever melhor. E esse sentimento fica ainda mais intenso quando pensamos que esses sujeitos escreveram sobre nós com tanta intimidade sem, ao menos, ter posto os olhos em nós uma vez que seja. Troço esquisito né?

Pelo menos eu acho. Nunca consegui me definir tão sintética e completamente como Drummond, sem nem imaginar, fez:

"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Arlei! ser gauche na vida."

E se fosse pra contar a minha morte, eu queria contá-la como a de Quincas, que depois de se fazer vagabundo e berrar contra a garrafa d' água esquecida no balcão da birosca, morreu só sem incomodar ninguém. Melhor ainda, recusou o enquadramento da filha careta e, após a morte, fugiu do velório nos braços dos amigos, numa derradeira farra, farta em cachaça, moqueca de arraia e beijos desesperados da amada. E certamente ao fim de tudo eu também me lançaria ao mar recomendando que "Cada qual que cuide do seu enterro, impossível não há." E morreria pela segunda vez, matando de inveja aos outros vivos que padecerão de morte única.

Amar então! Amar como o líder dos capitães da areia amou a menina órfã, esquecendo a miséria, a fome e varíola, re-significando, só porque amava, o amor até a morte. Amar como Maurício Bolina amou a Meme Buendia, furtivamente, entre as borboletas e os escorpiões. Amar feroz e voluptuosamente, carinhosa e delicadamente, desesperada e apaixonadamente, amar as tantas e tão excitantes formas de amor com que já nos encantaram em tantas obras. O que seria da literatura sem o amor, e pior ainda, do amor sem a literatura?

Parece tão fácil contar a minha história como recorte de tantas histórias já escritas que fica até difícil escrever a minha. No papel, e na vida, é tão mais fácil repetir, comparar, imitar que, por vezes escolhemos, ou pelo menos eu escolho esvaziar o sentido de se escrever. E não escapamos, ou pelo menos eu não escapo, de abrir mão de ser história, História.

É pra que minha(s) história(s) ganhe(m) espaço de existência que “Tempo Vida Poesia” é criado. Aproveito para homenagear Carlos Drummond de Andrade, poeta da minha juventude com quem recentemente me reencontrei. Aqui pretendo deixar um pouco das minhas inquietações, sem pretensão de que elas tenham o valor literário que eu gostaria que tivessem. Só quero que minha humanidade se plasme nestas páginas presas a este cyber-varal. Em exposição: eu. Sem a preocupação se vão gostar do que está pendurado ou se roubarão alguma coisa da corda. Tá bom, sem preocupação é um exagero. Aceitando os riscos e vivendo, que ó único jeito de viver mesmo.


POESIA

Gastei uma hora pensando um verso
Que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
Inquieto, vivo.
Ele está cá dentro e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
                                    C.D.A.