quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sobre o Ver

LABIRINTO

O que te impede?
A prova que vem
ou as que ficaram?

As dores do corpo,
as feridas da alma?
Seria a escassez
ou a abundância
que te detém?

O que te turva os olhos,
poeira ou lágrimas?
E não são ambas
Frutos do caminho?

Seria melhor não caminhar?

Pra além da poeira,
do choro,
haverás de encontrar
sorrisos, alguns até largos,
carinho,
consolo,
conforto,
redescobrindo o caminho,
comigo.


A MÁSCARA DA NOITE

               Vinícius de Moraes

Sim, essa tarde conhece todos os meus pensamentos
Todos os meus segredos e todos os meus patéticos anseios
Sob esse céu como uma visão azul de incenso
As estrelas são perfumes passados que me chegam...

Sim! essa tarde que eu não conheço é uma mulher que me chama
E eis que é uma cidade apenas, uma cidade dourada de astros
Aves, folhas silenciosas, sons perdidos em cores
Nuvens como velas abertas para o tempo...

Não sei, toda essa evocação perdida, toda essa música perdida
É como um pressentimento de inocência, como um apelo...
Mas para que buscar se a forma ficou no gesto esvanecida
E se a poesia ficou dormindo nos braços de outrora...

Como saber se é tarde, se haverá manhã para o crepúsculo
Nesse entorpecimento, neste filtro mágico de lágrimas?
Orvalho, orvalho! desce sobre os meus olhos, sobre o meu sexo
Faz-se surgir diamante dentro do sol!

Lembro-me!... como se fosse a hora da memória
Outras tardes, outras janelas, outras criaturas na alma
O olhar abandonado de um lago e o frêmito de um vento
Seios crescendo para o poente como salmos...

Oh, a doce tarde! Sobre mares de gelo ardentes de revérbero
Vagam placidamente navios fantásticos de prata
E em grandes castelos cor de ouro, anjos azuis serenos
Tangem sinos de cristal que vibram na imensa transparência!

Eu sinto que essa tarde está me vendo, que essa serenidade está me vendo
Que o momento da criação está me vendo neste instante doloroso de sossego em mim mesmo
Oh criação que estás me vendo, surge e beija-me os olhos
Afaga-me os cabelos, canta uma canção para eu dormir!

És bem tu, máscara da noite, com tua carne rósea
Com teus longos xales campestres e com teus cânticos
És bem tu! ouço teus faunos pontilhando as águas de sons de flautas
Em longas escalas cromáticas fragrantes...

Ah, meu verso tem palpitações dulcíssimas! - primaveras!
Sonhos bucólicos nunca sonhados pelo desespero
Visões de rios plácidos e matas adormecidas
Sobre o panorama crucificado e monstruoso dos telhados!

Por que vens, noite? por que não adormeces o teu crepe
Por que não te esvais - espectro - nesse perfume tenro de rosas?
Deixa que a tarde envolva eternamente a face dos deuses
Noite, dolorosa noite, misteriosa noite!

Oh tarde, máscara da noite, tu és a presciência
Só tu conheces e acolhes todos os meus pensamentos
O teu céu, a tua luz, a tua calma
São a palavra da morte e do sonho em mim!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sobre a Humanidade

METRÔ


Vi nos olhos do teu
Os olhos do meu
Sem saber se eram
Castanho claro
Castanho escuro
Ou só saudade.

Do meu filho,
Do teu filho.

E quis tê-lo no colo
E acalentar seu sono
Admirar seu rosto e
Acariciar-lhe as mãos
Pensando no amor que
tenho e que tens também.

Ao teu filho,
Ao meu filho.

O que as retinas uniram
Separará a vida?
Ou separarão
A cor, a classe, as chances?
As cruezas dessa vida vã,
As delícias dessa vida boa
Serão suficientes para unir

O meu filho
Ao teu filho?

Que de comum já tem
A nossa fragilidade
E a fome que temos
De pão e de afeto
De leite e carinho.
Tomara! Encontrar-se-ão
No caminho

O teu filho
E o meu filho.




Neste post, o poema – escatológico segundo a autora – da companheira e jornalista Paula Máiran.

Dentes contra dentes

a vida é um ranger de dentes, noite após noite,
dentes contra dentes
o tempo que passa pode ser medido pelas fissuras
pelas extremidades esfareladas dos dentes
pelas áreas escurecidas de fumo e tártaro
pelo sorriso retorcido por gengivas retraídas
inflamadas
sanguinolentas
e contra o tempo, nada
a não ser maquiagens
e pequenas cirurgias
medidas paliativas
mas nada detém o tempo
os rasgos na máscara de silicone antibruxismo
denunciam a violência do tempo gasto na eterna luta de dentes contra dentes

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sobre o ser e o ver

É MESMO?

Não é interessante
que alguém goste de poesia
e de luta ao mesmo tempo?

Não é contraditório
que alguém acredite em Deus
e, por vezes, se desespere?

Não é meio ridículo
pesar mais de cem quilos
e não se enxergar gordo?

Não parece bem bobo
conhecer os dramas do mundo
e fazer piada de alguns deles?

Não é exagerado
derramar umas tantas lágrimas
porque o filho dormiu no seu colo?

Não é patético
amar muito, muito mesmo
e brigar por tão pouco?

Não soa meio dramático
tanto querer, tanto desejo, tanto me dá,
duas décadas depois da adolescência?

Não é muito irônico
que a substância, que é só por ser,
sofra as qualificações de quem a vê?





TABACARIA

            Fernando Pessoa


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do
            Mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que
            ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada
            constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa,
            desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos
seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos
            brancos nos homens,
Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela
estrada do nada.
Estou hoje vencido como se soubesse a verdade.
(...)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Olhando pra trás, olhando pra frente.

LINHA DE CHEGADA

Ao completar a jornada
tinha tanto pra ver
das dores do caminho
das pedras de tropeço
das placas que indicaram
meus acertos e meus erros.
E eu nem de longe acertei
na maioria das escolhas
das indicações que vi.
Segui alternando crenças
e fabricando motivos,
mais inventei que vivi.

Ao completar a jornada
custei a crer que o ainda
tinha se tornado afinal.
Incredulidade a parte,
foi desse jeito que foi
não foi de outro jeito que fim.
Amanhã um novo início
de dores e de alegrias,
as jornadas são assim.
Parto só porque preciso,
já não careço de crenças,
nem mesmo da crença em mim.



ANDAR COM FÉ

                        Gilberto Gil

Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá.

Que a fé tá na mulher
A fé tá na cobra coral
Oh! Oh!
Num pedaço de pão...

A fé tá na maré
Na lâmina de um punhal
Oh! Oh!
Na luz, na escuridão...
Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá
Olêlê!
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Olálá!

Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Oh Minina!
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faia.

A fé tá na manhã
A fé tá no anoitecer
Oh! Oh!
No calor do verão...

A fé tá viva e sã
A fé também tá prá morrer
Oh! Oh!
Triste na solidão...

Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Oh Minina!
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá...

Certo ou errado até
A fé vai onde quer que eu vá
Oh! Oh!
A pé ou de avião...

Mesmo a quem não tem fé
A fé costuma acompanhar
Oh! Oh!
Pelo sim, pelo não...

Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Olêlê!
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Olálá!...
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Andá com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá...
Olêlê, vamos lá!

domingo, 14 de agosto de 2011

As Cores da Vida

PALETA DE CORES

 
O vermelho das gengivas
às vezes tingidas de azul,
pela doçura oculta da amora,
às vezes pelo amarelo-manga
colhido no galho mais alto,
ou pelo rosa das goiabas
furtadas ao vizinho bravo –
Porque frutas gostosas
só dão em quintal de gente brava? -
o marrom dos tamarindos catados
e entre caretas devorados,
o verde do abacate comido
com açúcar e farinha,
entre goles de café bem doce.
Como são doces as cores da infância.

O cinza dos paralelepípedos acolhia
o amarelo que o outono emprestou
às folhas da amendoeira, que
saudosas do seu tom sobre tom de verde
atiravam-se desgostosas
no ar transparente.
Empilhadas em montanhas vermelhas
passavam pelo fogo alaranjado
e iam descolorir o céu azul
em pequenos flocos de cinza que
cedo ou tarde tisnavam
a roupa que estava quarando
nos fazendo rir escondidos
dos palavrões que as mães soltavam.

No mesmo subúrbio
em que contemplei essas cores,
vejo outras serem impostas
a despeito de sua harmonia.

O verde que deveria ser do arvoredo
que a necessidade expulsou do morro
deixando no lugar capim
e o vermelho do barranco,
ferida aberta na carne bege
da pedra antiga.
Quando o branco da nuvem esbarra
em seu cume amarelado, é porque o negro
vai tomar o céu e turvar a vista
com a chuva forte
que tudo deixa translúcido,
menos o morro, onde o sangue do barranco,
empurrará morro abaixo
o marrom da enxurrada
produzindo um quadro surreal,
não fosse real o mosaico
de perdas brotando da lama,
tão colorido quanto intolerável
embora siga-se tolerando –
Porque as piores tragédias
acontecem na vida de gente pacata? –
ainda que ninguém suporte ver
o amarelo do cabelo da boneca
o vermelho do cabelo da menina,
em tão grotesca obra
que nunca encontra quem se declare seu autor.

O pé preto do menino magrelo,
que foi atrás da pedra branca,
que tudo deixa opaco,
mas encontrou o marrom do cassetete,
o vermelho do supercílio aberto,
e o prata da algema apertada
pelo sujeito vestido de bege
que nem queria estar ali
com o  olho roxo de uma pedrada,
mas não pode dizer não,
ao homem de terno azul,
e gravata vermelha discreta,
que a televisão disse que era
paladino da ordem e da paz-
Porque as piores mentiras
repercutem como verdades tão óbvias? -
embora o roxo e o vermelho,
do olho inchado do sujeito
e do supercílio aberto do menino
digam exatamente o contrário.

O verde,
O azul,
O violeta,
O vermelho,
O amarelo,
O marrom
e o azul do dinheiro
que empurra casas pra lá,
vidas, sabe-se lá pra onde,
traz estádios e viadutos,
reforça o preto do asfalto
e o cinza do concreto,
e expulsa violentamente
o verde daquele bichinho
que guri eu tinha medo
mas me alegrava saber
que ele estava por perto:
a Esperança
que há muito não vejo
em seu vôo meio torto
passeando por aqui
suas antenas sensíveis.

Se ela volta eu não sei,
mas faz falta -
ô, se faz!


Morte do Leiteiro
            Carlos Drumonnd de Andrade

Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? Se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

No dia em que você nasceu

HELDER

No dia em você nasceu -
Dia Ensolarado -
o céu ficou claro em minha vida
e parecia que jamais ia nublar.

Mas ninguém avisou às nuvens
e elas, desinformadas,
deram de esconder o sol.

Elas não sabiam que você –
Céu claro -
sol de poucos dias,
mas de tanta luz
em tantas vidas,
não deixaria ninguém atentar
a essa ironia do tempo.

Foi assim que você veio –
Helder - 
que na Holanda foi nome de Forte,
no Recife foi nome de Santo,
e aqui, no subúrbio do Rio,
é o novo nome da vida e do amor.

No dia em que você nasceu,
o céu das nossas vidas ficou claro,
pra nunca mais nublar.

sábado, 9 de julho de 2011

O novo e a vida

MEU NOVO


Um novo prazo pra fazer as coisas já medidas, calculadas, planejadas.
Um novo modo de acordar sorrindo, depois de ter dormido muito mal.
Um novo volume para as conversas, que transforma tudo em confidência.
Um novo nível de cansaço, até semana passada impossível de imaginar.
Um novo ritmo pra vida, hoje não tão minha como costumava ser.

Mesmo quando a gente já se sente velho
e até um pouco sem jeito com a mudança,
a vida muda,
e nos empurra para experimentar o novo.

Novos olhares
Que cruzam com os meus,
Sem que eu tenha a menor idéia do que me dizem.
Mas gosto de imaginar que é:
“Larga de ser bobo pai, não chora!
Também te amo. Sujeito grande e mole...”
E depois faz um "humpf" de enfado,
e fecha os olhos pra dormir
pra eu poder chorar mais
sem me sentir tão tolo.

Novos sons, alguns lindos, outros irritantes.
Novos aromas, alguns deles bem pouco agradáveis.
Novos desejos, quase todos tão nobres, quase escondem os mais mesquinhos, mais egoístas.
Mas só quase.
Só posso mudar o que posso, não tudo que quero.

Novas tarefas,
novas alegrias,
novas preocupações,
quanta coisa nova!

Mas nada como
esse substantivo,
velho, gasto,
surrado mesmo,
e pra mim tão novo,
tão bom, até meio doce,
depois que encontrou
o pronome
que já não indica posse
mas consubstanciação: meu
filho!



Ao meu pai:

A MESA

            Carlos Drumonnd de Andrade.

(...) Por exemplo:
ali ao canto da mesa,
não por humilde, talvez
por ser o rei dos vaidosos
e se pelar por incômodas
posições de tipo gauche,
ali me vês tu. Que tal?
Fica tranqüilo: trabalho.
Afinal, a boa vida
ficou apenas: a vida
(e nem era assim tão boa
e nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
tenho todos os defeitos
que não farejei em ti,
E nem os tenho que tinhas,
quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
como ser uma negativa
maneira de afirmar.
Lá que brigamos, brigamos
opa! Que não foi brinquedo,
mas os caminhos do amor,
só amor sabe trilhá-los.
Tão ralo prazer te dei,
nenhum, talvez... ou senão,
esperança de prazer,
É, pode ser que te desse
a neutra satisfação
de alguém sentir que seu filho,
de tão inútil, seria
sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
o meu coração chateado.
Se me chateio? demais.
Esse é meu mal. Não herdei
de ti essa balda.(...)




terça-feira, 21 de junho de 2011

O que é que tem?

OLHANDO BEM

Então o que tem
nas ruas do Centro
na praia remota
na cidade miúda
em Copacabana?

Então o que tem
no texto da peça
no tema do filme
no meio do livro
no fim do Poema?

Então o que tem
na farra do bloco
na forra da briga
na entrada da loja
na saída da missa?

Então o que tem
no vai e não volta
no vem por favor,
no chega aqui logo
no fica pra sempre?

Então o que tem
no sim de desejo
no não de coragem
na dúvida atroz
na dívida atrás?

Então o que tem
no grito de ajuda
no grito de gozo
no tapa nas costas
no tapa na cara?

Tem um pouco de mim
e um pouco do outro,
tem um tanto de encontro,
e outro tanto de dor.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sobre o amor

MEU AMOR

Meu amor é inquietude
as vezes até incômodo
e quando me inquieta
é que me mexo,
e assim meu amor se faz jornada.

Meu amor é pedido
as vezes até súplica
e quando me pede,
é que respondo
e assim meu amor se faz escolha.

Meu amor é indecisão
as vezes até crise
e quando não decide
é que me aquieto,
e assim o meu amor se faz espera.

Meu amor é vem e para; é vai e fica.
Meu amor é volta aqui e também é não vai mais.

É carinho exigido,
afeto reivindicado,
amor inegociável,
paixão que não se apague...

É mansidão inflexível,
fazer incansável,
busca inextinguível, Ufa!
Meu amor não para!

Procurei tanto por um amor
quietude,
certeza,
tranqüilidade.
Ainda bem que não achei!
Posso viver sossegado,
o gostoso desassossego
que é o meu amor.

É bom ou ruim?
Quer meu amor saber
de tudo que faz,
de tudo que faço.

Não é bom nem ruim meu amor: é poesia.


AMOR

O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.

                        *
Amor – eu disse- e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
           
                        Carlos Drummond de Andrade.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sobre o tempo

O PASSEIO

Paisagens,
pessoas,
amores,
de todas as coisas que passam,
a que mais insiste em ficar
é o tempo.

Fica no colorido vivo da parede
que ele me fez reinventar
porque enjoou da antiga cor.

Fica na fibra da camisa
que era a minha preferida
e agora só serve pra dormir.

Fica no vaso sem flores,
saudoso das azaléias,
que ele, o tempo, levou.

Fica na saudade
da Vó Zefa e suas cantigas,
do Tio Aureliano e suas ferramentas,
Do meu amigo Buru,
até da Laika minha cã.

Fica nas lembranças
do que vivi e
do que não pude viver.

Fica nas dores do que eu não soube viver.

O tempo
quanto mais passa
mais fica.

Fica no canto dos meus olhos,
no canto da minha alma,
que às vezes é cantinho
e às vezes é cantar.



    XXXV

Não será a nossa vida um túnel
entre duas vagas claridades?

Ou não será uma claridade
entre dois triângulos escuros?

Ou não será a vida um peixe
preparado para ser pássaro?

A morte será de não ser
ou de substâncias perigosas?

                        Pablo Neruda

sábado, 4 de junho de 2011

Ainda sobre o caminho...

CAMINHADA

De quantos passos se faz um caminho?
De tantos quantos foram dados.
Se um pé não sucede ao outro,
o que os olhos contemplam a frente
pode ser rota, estrada, direção,
até descaminho pode ser.
Mas um caminho,
um caminho carece de passadas.
Trôpegas ou decididas, tanto faz!
Não é a firmeza dos pés
que faz a justeza do rumo.


Com atraso indesculpável, pelo qual insisto em pedir perdão, publico o belo poema com que meu amigo Antônio Alonso presenteou o blog, logo após o primeiro post:

(Título aguardando definição do autor)

Tempo-Vida-Poesia
Tempo Vida Poesia
TempoVidaPoesia
da Tempo Vi Poesia
Vida Tempoesia
Poesia Tem Vida pô
si (h)a Tempo Poe Vida
Si (h)a Vida Poe Tempo.........


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Se é pra falar de caminho...

O POETA INÚTIL

Era uma vez um poeta
Que nunca tinha escrito um  verso.
Um poeta inútil!

E como ser inútil era feio,
e ser feio era esquisito,
e ser os três inaceitável,
o poeta abandonou a pena,
inútil,
e abraçou a espada,
porque pra um homem com uma espada
sempre há utilidade.

E só pra ser útil,
brandiu a espada,
sem se importar com o sangue
que ia ficando para trás,
porque guerreiros não ligam pra manchas de sangue.
Até que sua visão escureceu
só então se deu conta
que o sangue no chão era seu,
o ferido da batalha era ele.

Na longa jornada de volta,
ferido e cansado,
com a ponta da espada
pesada e inútil,
entalhou numa árvore
o único poema que viria a escrever:
“Mais vale a pena que não usei,
que a espada que empunhei.
No fundo, inútil tudo é,
menos o que prescinde de utilidade,
como a poesia que carrego em mim”.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pra começar do Início

Talvez a grande dificuldade de escrever sobre o que pensamos e sobre nós mesmos resida no reconhecimento que damos a gente que escreveu tão bem sobre o que vivemos e sentimos que parece praticamente impossível que consigamos escrever melhor. E esse sentimento fica ainda mais intenso quando pensamos que esses sujeitos escreveram sobre nós com tanta intimidade sem, ao menos, ter posto os olhos em nós uma vez que seja. Troço esquisito né?

Pelo menos eu acho. Nunca consegui me definir tão sintética e completamente como Drummond, sem nem imaginar, fez:

"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Arlei! ser gauche na vida."

E se fosse pra contar a minha morte, eu queria contá-la como a de Quincas, que depois de se fazer vagabundo e berrar contra a garrafa d' água esquecida no balcão da birosca, morreu só sem incomodar ninguém. Melhor ainda, recusou o enquadramento da filha careta e, após a morte, fugiu do velório nos braços dos amigos, numa derradeira farra, farta em cachaça, moqueca de arraia e beijos desesperados da amada. E certamente ao fim de tudo eu também me lançaria ao mar recomendando que "Cada qual que cuide do seu enterro, impossível não há." E morreria pela segunda vez, matando de inveja aos outros vivos que padecerão de morte única.

Amar então! Amar como o líder dos capitães da areia amou a menina órfã, esquecendo a miséria, a fome e varíola, re-significando, só porque amava, o amor até a morte. Amar como Maurício Bolina amou a Meme Buendia, furtivamente, entre as borboletas e os escorpiões. Amar feroz e voluptuosamente, carinhosa e delicadamente, desesperada e apaixonadamente, amar as tantas e tão excitantes formas de amor com que já nos encantaram em tantas obras. O que seria da literatura sem o amor, e pior ainda, do amor sem a literatura?

Parece tão fácil contar a minha história como recorte de tantas histórias já escritas que fica até difícil escrever a minha. No papel, e na vida, é tão mais fácil repetir, comparar, imitar que, por vezes escolhemos, ou pelo menos eu escolho esvaziar o sentido de se escrever. E não escapamos, ou pelo menos eu não escapo, de abrir mão de ser história, História.

É pra que minha(s) história(s) ganhe(m) espaço de existência que “Tempo Vida Poesia” é criado. Aproveito para homenagear Carlos Drummond de Andrade, poeta da minha juventude com quem recentemente me reencontrei. Aqui pretendo deixar um pouco das minhas inquietações, sem pretensão de que elas tenham o valor literário que eu gostaria que tivessem. Só quero que minha humanidade se plasme nestas páginas presas a este cyber-varal. Em exposição: eu. Sem a preocupação se vão gostar do que está pendurado ou se roubarão alguma coisa da corda. Tá bom, sem preocupação é um exagero. Aceitando os riscos e vivendo, que ó único jeito de viver mesmo.


POESIA

Gastei uma hora pensando um verso
Que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
Inquieto, vivo.
Ele está cá dentro e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
                                    C.D.A.