segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sobre o ser e o ver

É MESMO?

Não é interessante
que alguém goste de poesia
e de luta ao mesmo tempo?

Não é contraditório
que alguém acredite em Deus
e, por vezes, se desespere?

Não é meio ridículo
pesar mais de cem quilos
e não se enxergar gordo?

Não parece bem bobo
conhecer os dramas do mundo
e fazer piada de alguns deles?

Não é exagerado
derramar umas tantas lágrimas
porque o filho dormiu no seu colo?

Não é patético
amar muito, muito mesmo
e brigar por tão pouco?

Não soa meio dramático
tanto querer, tanto desejo, tanto me dá,
duas décadas depois da adolescência?

Não é muito irônico
que a substância, que é só por ser,
sofra as qualificações de quem a vê?





TABACARIA

            Fernando Pessoa


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do
            Mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que
            ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada
            constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa,
            desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos
seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos
            brancos nos homens,
Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela
estrada do nada.
Estou hoje vencido como se soubesse a verdade.
(...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário